23 de janeiro de 2015

O aborto e a aberração



Guadalupe vai ser libertada. Esta mulher foi condenada - imagine-se! - a 30 anos de prisão por ter sofrido um aborto espontâneo.
Em El Salvador, onde existe a penalização total do aborto, qualquer mulher que chegue a um hospital com uma hemorragia decorrente de um aborto, ainda que espontâneo, é imediatamente detida.

A Amnistia Internacional denuncia estes casos e apoia mais 15 mulheres que continuam condenadas pelo mesmo crime.

Defender a Vida é uma coisa. Isto é uma ABERRAÇÃO!

Esta gente nem imagina o que custa a uma mulher perder um filho que carrega no ventre. Eu sei o que se sente pois passei por isso.

Tentava engravidar do primeiro filho. Quando finalmente consegui senti uma alegria que me explodia do peito para fora. Contamos imediatamente a todos. À família, aos amigos, aos colegas de trabalho. Todos partilhavam a nossa felicidade.

Um belo dia, às 11 semanas, fiz uma ecografia de rotina. Fiquei em choque pois o feto estava imóvel. A médica empurrava a minha barriga com o ecógrafo. Continuava imóvel. Não conseguia nem ver o coração a bater como acontecera umas semanas antes. Entrou e saiu da sala, sempre calada. Ao voltar lá empurrava novamente a minha barriga. Eu via que alguma coisa estava errada, mas não conseguia nem formular o pensamento. Finalmente disse-me:
- Isto não correu bem.
Naquele momento o céu desabou-me em cima da cabeça. As ondas de choque percorreram o meu corpo.
Não me lembro de mais nada.
Saí e liguei ao meu marido.
- Estou a ir ter contigo. Desce por favor.
Ele desceu. Entrou no carro e contei-lhe. As lágrimas saltaram dos nossos olhos e abraçámo-nos. Ficámos assim. Com aquela dor imensa a percorrer-nos, a saltar-nos do peito.

Passado algum tempo racionalizei.
- Foi  porque alguma coisa não estava bem. Ainda vamos ter outros filhos saudáveis.
Ele assentiu com a cabeça.
As minhas palavras eram mais de fé do que de certeza. Formuladas para nos reconfortar e dar forças para enfrentar a vida.

Esta foi só a primeira parte da dor. Receitaram-me um medicamento para tentar expelir o feto inanimado. Fomos para casa. Avisaram-me que poderia ter dores de barriga, "como se fosse do período". Preparei-me para isso. Depois da medicação comecei a tremer. Ardia em febre. A minha temperatura subiu para os 39ºC em menos de um minuto. Debaixo dos cobertores tremi como não sabia ser possível. Os espasmos na barriga inimagináveis.

Parecia que me ia esvair em sangue. Fui para a urgência da Maternidade Alfredo da Costa a sangrar como um animal ferido. Fizeram-me uma ecografia. O feto não tinha sido expelido. Mais medicação para tentar que saísse sozinho, para evitar fazerem-me um cirurgia.

À porta da sala das ecografias vi inúmeras mulheres entrarem. Umas saiam calmas, outras lavadas em lágrimas. Eu conhecia aquela dor.
Vi tantas, mas tantas!

Explicaram-me: 25% das gravidezes não passam do terceiro mês. Vinte e cinco por cento! Isto é uma em cada quatro gravidezes é perdida nos primeiros três meses! Não fazia a mínima ideia que eram tantas. Mas eram. E eu era uma delas.

Naquele dia vi tantos casos nos rostos sofridos daquelas mulheres que faziam uma ecografia num serviço de urgência.

Não posso nem imaginar, que em El Salvador, estas mulheres, poderiam ser presas e condenadas por perderem os seus filhos! Eu poderia ser condenada por perder o meu primeiro filho!

Estes casos precisam ser denunciados. Estas mulheres precisam de ser apoiadas.
A Amnistia Internacional está a fazer um trabalho notável. Quem discorda desta aberração, ajude por favor a divulgar.

2 comentários:

  1. Ai que horror nao sabia que isso acontecia em El Salvador e ate tenho uma amiga que nasceu la. Que horror, ja nao basta acontecer lhes uma coisa dessas e ainda sao punidas... nem sei o que dizer. Quando li a tua historia nao consegui ficar indiferente, vieram me as lagrimas aos olhos.
    Beijinho grande de Toronto
    claudiapersi.blogspot.ca

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  2. Não fazia ideia... E sim, também já passei por essa dor três vezes... Mas é mesmo porque alguma coisa não está bem e é a isso que temos de nos agarrar para não ir muito abaixo. Porque um bocadinho, vamos sempre. Um beijinho

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Digam de vossa justiça!

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